Story Silenciado - não é pessoal (é, talvez seja)
Às vezes, silenciar alguém é só uma forma de autocuidado. Vamos precisar ser mais proativos se quisermos ter um mínimo de bem-estar digital.
Quantas vezes você já se pegou rolando o feed, vendo um conteúdo que você não curtiu, que te gatilhou ou que não te representa e simplesmente deixou passar? A gente fala muito sobre o que gosta de ver nas redes. Mas e sobre o que não queremos ver?
Os conteúdos das redes sociais foram desenhados para serem fáceis de curtir e desconfortáveis de rejeitar. Curta, comente e compartilhe. Esses botões estão sempre ao seu alcance. Agora você já experimentou tentar dizer que você não curtiu, não tem interesse ou que quer ver menos desse tipo de conteúdo?
Recentemente, o Instagram adicionou dois cliques a mais para sinalizar que você não tem interesse em certo conteúdo que aparece na sua timeline. Propositalmente, fica mais difícil encontrar formas de desengajar de maneira proativa.
O UX (User Experience) das redes sociais “entende” que a não interação é sinal de “não interesse”. No entanto, vejo que isso não tem sido suficiente para sinalizar um descontentamento com as publicações do nosso feed. Ou seja, somos limitados a engajar ou só aceitar, numa vibe meio passiva de rejeitar o conteúdo deixando ele passar ileso de likes.
E, nesse jogo, a gente acaba virando espectador passivo de uma timeline que não escolheu e algumas vezes não nos faz bem. Principalmente por conta dos algoritmos que ficam a todo segundo testando os limites dos nossos “interesses” com novos virais de moral duvidosa - polêmicas de influenciadores irrelevantes, stories de uma vida perfeita, sensacionalismo e até Rage Bait (gerar raiva para aumentar o engajamento).
Incomodado com isso, queria abrir as Conversas à Mesa dessa semana com essa discussão: como podemos ser mais ativos em busca de um mínimo bem-estar digital?
Nem sempre conseguimos sair do digital, então se for pra usar as redes sociais (inclusive o Substack) e se quisermos ter um espaço digital minimamente saudável, precisamos ter voz ativa para construí-lo.
Engajamento é a nova moeda de poder
Eu sou fã do meme/frase: Tudo que eu sei sobre _________ (complete com o nome de algum irrelevante) é contra a minha vontade.
Observação:
Quando falo em “irrelevante”, não me refiro a quem pensa diferente ou tem outro estilo de vida. Me refiro àquele tipo de pessoa que se apropria de um espaço de fala para agir de forma antiética, preconceituosa, desonesta, ou simplesmente raivosa e provocadora de propósito.Pode ser o influenciador que lucra promovendo plataformas de aposta online e que, com isso, contribui ativamente para uma epidemia silenciosa que tem destruído famílias.
Ou, em uma escala mais próxima, aquele colega ou familiar que disfarça discursos de ódio sob o manto da “liberdade de expressão”.
São páginas de fofoca pagas para divulgar e esfregar nas timelines fatos irrelevantes sobre influenciadores (também irrelevantes), posts patrocinados, conteúdos de rage bait (que manipulam sentimentos de raiva para aumentar interações), casas de apostas, stories de crianças em hospital sendo motivo de comemoração por pico de visualizações e por aí vai.
Basta uma visualização inteira, ou até mesmo alguns segundos assistindo a um vídeo, e pronto: o algoritmo ganhou suas migalhas de engajamento, que vão impulsionar ainda mais aquele conteúdo.
O engajamento como métrica de crescimento e presença digital tem seus prós e contras. Creio que o problema foi imaginar um algoritmo baseado na suposição de que o bom senso e a ética prevaleceriam na criação de conteúdo. No entanto, assim como em qualquer lugar, há quem se aproveite da regra para agir de forma moralmente questionável.
Esse fato se intensifica ainda mais numa era de pico da digitalização, como a que estamos vivendo, em que a vida pessoal e social está cada vez mais online. Sendo assim, em certo grau, todos buscamos engajamento, principalmente como forma de validação e pertencimento a determinados grupos.
Em menor escala, nossos círculos de amigos, colegas de trabalho ou familiares também estão presentes digitalmente - seja por meio do compartilhamento de publicações para expressar opiniões, publicando stories (de viagens, restaurantes, memes, política e afins) ou então fazendo posts motivacionais e de conquista no LinkedIn.
Em ambas as esferas - seja o influenciador ou seu colega de trabalho -, infelizmente, parte desses conteúdos não gera sentimentos positivos em todos. Por melhor que tenha sido a intenção da publicação, algumas vezes não nos sentimos bem ou ficamos gatilhados ao nos deparar com aquele conteúdo não solicitado.
Sem perceber, rolando o feed ou os stories, acabamos nos comparando, sentindo inveja, frustração, raiva, indignação, entre outros sentimentos ou gatilhos. O problema é que, se vivenciadas com frequência, essas emoções produzem consequências negativas para a nossa saúde mental.
Não me aprofundarei nesse tema, pois há muito conteúdo bom que aborda as consequências das redes sociais para a saúde mental, como o aumento de quadros de ansiedade e depressão.
Engajamento passivo
Em vista de tudo isso, parece permear uma relação de impotência e passividade frente a esses tipos de conteúdo que nos impactam negativamente e que, muitas vezes, não são solicitados.
Quando passamos rapidamente por aqueles stories, lemos a chamada de alguma notícia ou assistimos a alguns segundos iniciais de um vídeo, acabamos expostos a microdoses de agressão psicológica. E vamos relevando a forma como reagimos, simplesmente “deixamos passar”.
Eu, particularmente, não consigo apenas “deixar passar”. Procuro, e gasto energia, para desengajar conteúdos assim. Acho um absurdo estar bem e, do nada, me sentir mal, irritado ou triste por causa de alguém que, às vezes, nem conheço direito e que postou algo propositalmente para gerar desconforto (ostentação, polêmica, opinião controversa, preconceito etc.).
Estou com a terapia em dia e, atualmente, ao menor sinal de desconforto ou sentimento negativo que alguém gere em mim enquanto estou rolando o feed, já procuro sinalizar para a plataforma, e para o algoritmo, que não quero mais receber aquilo: “autor silenciado com sucesso”.
Eu sei que o cenário ideal seria sair das redes sociais. Estou tentando aos poucos, mas ainda não consegui me desplugar 100%. Aos poucos, vou progredindo e reduzindo meu tempo de tela. E, enquanto isso não é possível, nada me impede de criar um espaço mais saudável digitalmente.
Como desengajar mais ativamente
Tenho tomado algumas ações em relação aos meus feeds (Instagram, TikTok, Twitter, Substack etc.) para que o pouco tempo que fico online não me traga gatilhos. Já que é pra ter dopamina barata, que ao menos faça jus ao propósito.
Dependendo do tipo de conteúdo que aparece, tomo algumas atitudes para evitar gatilhos:
Parando de seguir e removendo conexões que não fazem mais sentido
Silenciando stories (de amigos e colegas, inclusive)
Silenciando por um período (30 dias é um ótimo começo)
Apertando “não interessado” (para posts do feed)
Denunciando publicações (em situações mais drásticas, que infringem leis ou regras da plataforma)
Apesar de simples, muitas vezes não somos motivados a agir ativamente para o desengajamento. Caímos na armadilha de continuar vendo aqueles stories que nos deixam mal, comentar um post de rage bait, fazer outro conteúdo criticando a polêmica de um influenciador ou até compartilhar aquela publicação absurda com algum amigo.
Com isso, geramos ainda mais engajamento e favorecemos a produção de mais conteúdo semelhante. Por isso, vejo que a solução é agir ativamente onde dói: reduzindo engajamento, tirando os palcos e silenciando irrelevantes.
Somente não engajar (ver, curtir, comentar ou compartilhar) não é suficiente.
Precisamos desengajar.
Assim, além de um feed mais limpo, o outro lado sente a queda: menos alcance e com isso menos seguidores, menos visualizações, menos likes, menos comentários e, enfim, menos engajamento.
Quem sabe assim, do ponto de vista dos criadores (irrelevantes, principalmente), haja o mínimo de reflexão sobre o impacto daquilo que está sendo postado e, consequentemente, ocorra alguma mudança de rota na geração de conteúdo.
As plataformas dificultam o acesso ao desengajamento, pois é do engajamento (ético ou não) que sai o dinheiro e a motivação para ficarmos mais tempo na tela. Como exemplo, perceba que:
Não vemos muitos botões de “deslike” por aí (apesar de algumas plataformas terem disponibilizado em sessões de comentários).
Não vemos resultado efetivo em denúncias feitas à plataforma. Nunca recebi uma avaliação dizendo que aquele comentário claramente criminoso foi removido.
Botões de “não interessado” ou “não gostei” ficam em submenus não tão óbvios.
Forçando uma curadoria online mais saudável
Desengajar é a chance de abrir espaço para outras vozes e ideias no feed. Afinal, novos conteúdos vão ocupar aquele lugar. Assim, vamos forçando o algoritmo, quase como uma curadoria automatizada. Se não conseguimos sair totalmente das redes sociais, ao menos tentemos fazer com que o algoritmo não atrapalhe tanto nossas vidas.
Eu mesmo falei sobre alternativas, como o Menu Dopamina (confira no link) e também sobre hobbies. No entanto, atualmente, é muito difícil ser totalmente offline. É quase um luxo, até porque muita gente tem seu trabalho nas redes sociais. Sendo assim, ter voz ativa para dominar o seu algoritmo pode ser o primeiro passo para levar a vida online com mais leveza.
Não precisamos estar sujeitos a gatilhos e sentimentos indesejados quando pegamos o celular para descontrair ou socializar. Afinal, silenciar é só uma forma de dizer: “isso aqui, agora, não me serve”. Tem gente de quem a gente gosta, mas não quer ouvir o tempo todo. Tem post que é bonito, mas pode me gatilhar. E tem opinião que não precisa da nossa atenção.
Concordo plenamente que o cenário ideal é sair das redes sociais e da vida online, no entanto sair da internet custa caro (falei disso nesse texto), e nem todo mundo pode ter esse luxo. Mas, mesmo com botões escondidos, ainda temos o poder de ditar e construir um ambiente digital minimamente saudável.
Conheça o Conversas no Corredor
Criei uma newsletter para falar sobre temas do mundo corporativo que todo CLT deveria aprender. São aquelas conversas que eu gostaria de ter tido com meu gestor ao longo da minha carreira—insights que fazem a diferença, mas que nem sempre surgem em reuniões ou treinamentos formais.
Por isso, chamei de Conversas no Corredor: aprendizados que acontecem naquele papo despretensioso enquanto tomamos um café.
Se quiser acompanhar, já pega o seu café e vem comigo! 🔥💼
Se liga no último texto publicado:
Cara, que post necessário e muito bem escrito. Já me inscrevi – ou melhor, de acordo com o Substack, "assinei" – pra ver mais dos seus conteúdos.
Enquanto publicitária, infelizmente não tenho a possibilidade de me dar ao luxo de estar longe das redes sociais. Mas já comecei a fazer esse Detox que você mencionou, e isso já me ajudou bastante.
Achei muito interessante o ponto de vista que você trouxe, inclusive, sobre ser um "luxo" sair das redes sociais. Eu concordo, e acrescento: num país como o nosso, ter algum hobby já é um luxo para muitos. A maioria das pessoas não tem condição e/ou tempo de fazer alguma atividade além de trabalhar, gastar tempo no deslocamento casa-serviço (e vice-versa) e, no restante do tempo, descansar ou dar tempo para a casa e para a família. Ao meu ver, as redes sociais são a forma mais acessível de entretenimento para muitas pessoas no Brasil atualmente, então achei de muito bom tom o seu comentário sobre se adaptar, caso não seja possível desplugar completamente das redes.
Sigamos em busca de um cotidiano digital mais saudável e menos frustrante.