Menu de Dopamina: um Cardápio para um cérebro menos sobrecarregado
Do vício em estímulos rápidos à busca por prazeres mais autênticos – como equilibrar seu cérebro na era das telas
“Ao invés de escolher e assistir um filme de 2h no Netflix, vou abrir o TikTok e ficar 4 horas vendo vídeos.”
Hoje, tudo parece mais chato porque sempre há uma opção mais estimulante e acessível ao alcance de um clique. Com o avanço das redes sociais, temos a ilusão de estar socializando, quando, na realidade, estamos mais hipnotizados e presos a estratégias que nos mantêm grudados às telas do que verdadeiramente conectados às pessoas.
As Big Techs aprenderam rapidinho que aumentar o estímulo era uma forma rápida de nos prender à certo aplicativo. Não por acaso, passamos horas vendos Reels e TikToks, ficamos navegando pelos anúncios na Amazon ou Shopee, maratonamos séries e por aí vai.
Estamos vivendo na era do Brain Rot (ou "cérebro apodrecido", em tradução livre - veja a matéria da Super Interessante sobre o tema) - um termo popular para descrever o efeito do consumo excessivo de conteúdos rápidos e superficiais na capacidade cognitiva.
O que nos mantém presos a esses estímulos é algo muito mais biológico do que imaginamos. Essas interações constantes oferecem um lazer acessível, uma distração da realidade e, consequentemente, uma regulação instantânea do humor.
Tudo isso acontece de forma involuntária. Sem perceber, nos acostumamos a buscar pequenos picos de dopamina cada vez mais facilmente, reforçando o ciclo de estímulos constantes.
A famigerada Dopamina, que tem aparecido com mais frequência atualmente é um neurotransmissor fundamental para o sistema de recompensa do cerébro. Meu primeiro contato com seu significado prático foi através do livro Habits of a Happy Brain: Retrain Your Brain to Boost Your Serotonin, Dopamine, Oxytocin, & Endorphin Levels.
Como o título sugere, o livro explora o funcionamento de vários neurotransmissores, não apenas a dopamina. Apesar de utilizar termos técnicos, a leitura é acessível e traz uma abordagem científica embasada, ajudando a entender como nosso cérebro nos influencia.
No caso da dopamina, sua função não é nos manter conectados ao celular por mais tempo possível – para tristeza das Big Techs. Sua verdadeira função é nos motivar a buscar recompensas que consideramos valiosas.
Um exemplo prático: imagine um leão com sede na savana.
À medida que ele sente a necessidade de água, seu cérebro libera dopamina para mantê-lo motivado a continuar a busca. Ele sente que sua recompensa – o alívio da sede – está próxima ao encontrar um lago.
Durante essa jornada, os níveis de dopamina aumentam progressivamente, impulsionando-o a seguir em frente. O coração acelera quando ele observa que encontrou uma fonte de água fresca rodeada por árvores.
Ao primeiro gole daquela água fresca, os níveis de dopamina começam a cair, pois a meta foi atingida. No entanto, a dopamina não desaparece por completo – ela retorna ao seu nível basal (baseline), e o ciclo se reinicia quando uma nova necessidade surge.
Essa analogia ajuda a explicar do ponto de vista biológico o que acontece, em outra escala, conosco. Evoluímos ao longo de milhões de anos para produzir dopamina como um mecanismo de motivação para sobrevivência – seja para encontrar comida, abrigo ou socializar.
Nosso cérebro não foi projetado para lidar com um mundo hiperestimulante, onde recebemos pequenas doses de dopamina constantemente sem esforço.
Hoje, ao invés de precisar caçar ou explorar, basta um clique para recebermos um estímulo recompensador – seja um like, uma notificação ou uma nova postagem viral. Isso nos condiciona a buscar prazer imediato, dificultando a motivação para atividades mais complexas e gratificantes a longo prazo.
Assim como quando comemos um doce de barriga vazia e, pouco tempo depois, sentimos ainda mais vontade de comer outro, consumir conteúdos altamente estimulantes também pode gerar um ciclo vicioso de busca por picos de dopamina cada vez mais intensos.
No Livro Nação Dopamina a autora fala isso já no título: Por que o excesso de prazer está nos deixando infelizes e o que podemos fazer para mudar.
A fome que sentimos depois de comer um doce surge porque o alto teor de açúcar no sangue exige uma liberação intensa de insulina. Esse excesso de insulina faz com que o corpo absorva rapidamente o açúcar disponível, levando a uma queda nos níveis de glicose abaixo do nível basal (baseline). Como consequência, o corpo interpreta essa queda como um sinal de necessidade energética (fome), gerando um novo desejo por açúcar para compensar o déficit.
Esse paralelo com o açúcar nos ajuda a entender como o excesso de estímulos impacta o sistema de dopamina. Só que, em vez de fome, experimentamos um estado de baixa motivação e prazer – uma espécie de “queda de energia” - no sistema de recompensa do cérebro.
Aqui, vale um esclarecimento importante: não estou falando da psicopatologia da depressão. O termo "depressão" aqui se refere ao estado temporário de redução dos níveis de dopamina, ou seja, estado deprimido do sistema nervoso.
Por exemplo, quando assistimos a um vídeo divertido de um minuto, imediatamente queremos outro. A razão? Nosso cérebro foi recompensado com risos e pequenas doses de dopamina. Mas, assim que o estímulo acaba, os níveis desse neurotransmissor caem abaixo do normal, e sentimos uma necessidade quase automática de continuar consumindo mais conteúdo para restaurar essa sensação de prazer.
Esse ciclo se repete em diversas escalas de frequência e intensidade, e é aqui que encontramos a raiz de uma sociedade cronicamente online e viciada em telas. Assim como amamos doces e tendemos a comer mais do que o necessário, ficamos cada vez mais online e em busca de estímulos constantes que nos prendem às telas de forma não saudável.
Na minha publicação anterior (que recomendo a leitura), falo desse paralelo:
🧁 Ocorre que ao viver somente desse tipo de entretenimento estamos nos alimentando com sobremesas. O paralelo de consequências para a nossa saúde mental é proporcional a uma dieta desregulada para nossa saúde física.
Ou seja, por mais tentador, sabemos que não podemos viver só comendo doces. Precisamos de uma dieta equilibrada ao longo do dia. Afinal, o consumo excessivo de açúcar está associado a incidência de cáries e outras doenças como diabetes e hipertensão.
Porém, para outros estímulos de prazer proporcionados pelas telas, seus impactos negativos estão ganhando espaço somente agora. Estamos todos imersos nesse consumo excessivo de estímulos e não percebemos suas consequências ao longo prazo na nossa saúde mental - ansiedade e depressão, por exemplo.
A Dra. Anna Lembke, autora do livro Nação Dopamina, traz varios relatos e paralelos de como a busca constante por estímulos tem consquências negativas para nossa vida e saúde.
Por isso, decidi escrever essa publicação do Conversas à Mesa. Acho que esse conteúdo precisa fazer parte das discussões comuns, de forma acessível, como numa conversa entre amigos.
No ano passado, recebi meu diagnóstico oficial de TDAH e Altas Habilidades. Demorei a entender que precisava desse diagnóstico até ter acesso à informação. Eu vivia no automático, sem notar os impactos que os estímulos constantes estavam causando na minha vida.
A falta de atenção estava se tornando cada vez mais evidente. As reuniões virtuais eram entediantes, a ansiedade constante e a memória cada vez mais fraca. Percebi, depois do diagnóstico, que o TDAH estava sendo impulsionado pelo excesso de estímulos das telas, o que me prendia ainda mais nesse ciclo.
A frase “não consigo ver um filme sem pegar o celular” se aplicava a vários aspectos do meu dia a dia: reuniões virtuais, assistir filmes, até mesmo conversas menos envolventes. Sempre que algo parecia pouco estimulante ou entediante, eu sentia a necessidade de preenchê-lo com algum aplicativo.
Sempre tive hobbies. No entanto não é toda hora que busco eles. Falo sobre isso na minha publicação Hobby - Um adulto que não parou de brincar. Também discuto como a internet está constantemente tentando capturar nossa atenção para nos transformar em consumidores de conteúdo passivos. Esse fenômeno, na minha percepção, se intensificou depois da pandemia em 2020.
É muito mais fácil abrir um aplicativo do que pegar um caderno para escrever ou desenhar. E nem estou falando de talento aqui, pois, quando crianças, brincávamos de desenhar sem nos preocupar com a qualidade – apenas pelo prazer da criação.
Fomos perdendo essa essência, influenciados pelos interesses de um sistema que nos prende às telas. Os algoritmos sugerem o conteúdo, e nós perdemos o poder de escolha. É confortável viver no automático. Digo mais: é viciante.
Para sair dessa epidemia de hiperestímulos, precisamos encontrar uma dieta de dopamina mais equilibrada. E foi assim que surgiu o conceito do Menu de Dopamina.
O que é o Menu de Dopamina?
Este conceito propõe um equilíbrio entre estímulos fáceis e recompensas mais profundas, ajudando a evitar a armadilha do excesso de dopamina instantânea.
Diferente do que algumas pessoas pensam, não podemos "cortar a dopamina", pois ela é um neurotransmissor essencial para motivação, aprendizado e tomada de decisões. O que podemos fazer é regular a exposição a estímulos fáceis e recondicionar o cérebro para buscar prazeres mais sustentáveis.
Nosso cérebro foi projetado para buscar recompensas com esforço, mas hoje temos acesso a estímulos rápidos que fornecem prazer imediato sem exigir nada em troca.
Quanto mais treinamos nosso cérebro para recompensas fáceis, mais difícil se torna manter o foco em atividades que exigem esforço mental contínuo.
Como funciona o Menu de Dopamina?
A ideia é substituir parte dos estímulos fáceis por opções que ainda geram prazer, mas de forma mais equilibrada e com benefícios a longo prazo. A idéia é ter um cardápio diversificado com atividades.
No meu caso, eu vim construindo esse cardápio ao longo dos anos. Eu gosto de desenhar e pintar, tirar fotos, cuidar das minhas plantas (ou comprar novas), escrever na minha máquina de escrever e recentemente aprendi a fazer cerâmica.
Todas essas atividades precisam de um engajamento ativo da minha parte e trazem vários benefícios e repertório para um dia-a-dia mais diversificado.
Percebi que desde que comecei a me esforçar para ficar mais off-line, tenho me sentido menos ansioso, com melhor auto-estima e comprando menos impulsivamente.
Falei somente de hobbies e lazer, mas a alimentação também é uma forma de prazer. A indústria alimentícia domina essa lógica e cria cada vez mais alimentos ultraprocessados irresistíveis.
Recentemente, assisti a um vídeo sobre como a indústria de alimentos está adaptando suas receitas para reduzir os efeitos colaterais dos remédios para emagrecer, como o Ozempic, driblando a sensação de saciedade. Ou seja, o foco não está na saúde pública, e sim nas cifras de resultados negativos de uma indústria que tem sofrido com a educação alimentar e, agora fortemente, de remédios que reduzem o consumo de alimentos.
A busca ativa por uma alimentação equilibrada também faz parte do Menu de Dopamina. Eu amo pizza, mas hoje procuro comer apenas dois pedaços no fim de semana. Pequenas mudanças fazem uma grande diferença.
A socialização sempre foi uma das maiores fontes de prazer humano. No entanto, as redes sociais distorceram essa experiência, reduzindo-a a curtidas, comentários e figurinhas.
Criei essa publicação justamente por sentir falta de um espaço para conversar, divagar e colocar pra fora percepções e pensamentos que não cabem em 140 caracteres. Estamos saíndo menos para conversar na casa de um amigo, num café ou numa mesa de bar.
Para mim o Converas à Mesa é um subterfúgio à rotina moderna e uma alternativa virtual para desenvolver relações e reflexões mais profundas. Algumas horas escrevendo e outras lendo me ajudam no pensamento crítico, na expressão de idéias e a me colocar numa linha de pensamento menos automática induzida por algoritmos de massas.
Isso não é propaganda de curso para melhorar seu bem-estar. É somente uma dica simples que eu gostaria de ter recebido. Afinal, assim como quando crianças, que nossas mães não nos deixavam comer doce a vontade, hoje precisamos ser o adulto consciente que nos tira desse ciclo de prazer monetizável.
Ter um Menu de Dopamina não significa cortar totalmente os prazeres fáceis, mas aprender a regular os estímulos para manter a motivação e o prazer equilibrados. Pequenos ajustes na rotina podem fazer grande diferença na forma como seu cérebro busca satisfação.
Saúde física e mental andam de mãos dadas e o que a gente consome - comida e conteúdo - impacta nossa qualidade de vida. Precisamos cuidar de nós mesmos antes de querer salvar o mundo. Isso significa reduzir o consumo de um feed açucarado e buscar uma dieta mais equilibrada para nossa mente.
O que você tem colocado no seu Menu de Dopamina? Vamos compartilhar esses cardápios, sem ser de QR code, por favor.
Conheça o Conversas no Corredor
Criei uma newsletter para falar sobre temas do mundo corporativo que todo CLT deveria aprender. São aquelas conversas que eu gostaria de ter tido com meu gestor ao longo da minha carreira—insights que fazem a diferença, mas que nem sempre surgem em reuniões ou treinamentos formais.
Por isso, chamei de Conversas no Corredor: aprendizados que acontecem naquele papo despretensioso enquanto tomamos um café.
Se quiser acompanhar, já pega o seu café e vem comigo! 🔥💼
Se liga no último texto publicado:
Ótimo texto. Estou lidando com essa questão dos prazeres rápidos e suas ideias ajudam a ter uma direção nisso.
Parabéns pelo texto.. consegui entender esse problema a tempos atras e tenho tentado me afastar, a leitura tem ajudado. Espero melhorar