Sair da Internet custa caro
Não é simples e nem barato, tem um custo não monetário que nos impele a continuar plugados.
Estas são as primeiras palavras que me arrisco a proferir sem a insegurança e a hesitação sobre meu tom de voz, minha postura na câmera, a luz direta e indireta, o plano de fundo, a roupa que estou usando, meu cabelo e minhas linhas de expressão.
Aqui vem somente a mensagem, mais pura, que toca aqueles por ela interessados. Numa tentativa escapista de fugir de um algoritmo que me impede de transmitir conhecimento e reflexões sem antes me preocupar com mil variáveis ligadas a conceitos estéticos vinculados ao engajamento.
Afinal, quando estamos plugados à bolsa de soro de atenção e aceitação que nos alimenta (feed) de likes, a falta deles nos causa preocupação, e, por fim, a mensagem em si fica em segundo plano. O espaço mental é ocupado e destinado a ajustes irrelevantes em quesitos tão supérfluos que passariam despercebidos numa mesa de bar ou na sala de casa.
Venho pensando em mil maneiras de criar esse espaço de conversa. O primeiro que me surge acaba sendo um vídeo no TikTok ou, então, os stories do Instagram. Mas aí vem a questão: como? Parece que ligar uma câmera e gravar não é mais a melhor forma à la Jout Jout de transmitir conhecimento ou divagar sobre reflexões. É necessário encenar, teatralizar e cinematizar tudo ao mesmo tempo.
Precisamos de uma mini direção de arte para encenar esse filme que deve durar entre um e dois minutos, no máximo. Só de passar por esse plano, meu TDAH me impele para longe da mensagem inicial e coloca a postos o que sabe fazer de melhor: criar cenários hipotéticos e planos mirabolantes que geram uma sobrecarga de pensamentos, planos e ideias sobre tudo que está em torno da mensagem, sem ao menos fazê-la.
Percebi que o Substack é o primo Gen Z do Blogger, moderninho. Cheguei e, de cara, me deparei com o suprassumo do que me inspirou a começar a escrever aqui: Laurinha Lero, do Respondendo em Voz Alta, falando sobre sua última leitura — um livro de um escritor que nunca deve ter lido livro algum.
Por mais que eu estivesse lendo com a voz dela na minha cabeça, eu estava ali, vendo algo original, no meu ritmo. Foi o click que me faltava para sair, cada vez mais, de um mundo de feeds e for your pages que nos fisgam com milhares de doses de uma dopamina barata.
Apesar de, ironicamente, aqui também ser uma rede social, aqui estou: a mensagem nua e crua, no seu tempo, no seu ritmo e no cenário que lhe for mais conveniente. Certamente, a prática levará ao aprimoramento, e espero que minha comunicação se torne cada vez mais simples e assertiva.
Chegar até aqui foi facilitado por dois motivos. O primeiro é que, além do texto e sua construção, não há outros elementos fúteis passíveis de julgamento. O segundo é que tenho uma máquina de escrever (na verdade, agora são quatro) e as uso como forma de externalizar pensamentos e situações que não têm tido mais espaço — nem mesmo um bar — para serem concebidas.
Tenho sentido que os relacionamentos e amizades do mundo real estão absorvendo os mesmos critérios do mundo virtual. Parece uma algoritmização das amizades: precisamos sempre ser mais atraentes, ter histórias maravilhosas, viagens inesquecíveis, hobbies requintados, empregos renomados e famílias perfeitas.
A vida comum não oferece a dose necessária de dopamina para que o telespectador se mantenha engajado e efetue uma troca genuína, ao invés de apenas esperar seu momento de contar sua versão mais interessante sobre aquele ponto. Numa onda de agendas atoladas, a disputa por atenção vai além do engajamento de uma conversa interessante.
Tudo precisa ocupar um espaço dentro de possibilidades mais atraentes. “Ah, eu acho que posso no próximo sábado...” — já fica em aberto a possibilidade de cancelamento caso surja um convite mais interessante.
O famoso vou ver e te aviso, onde ninguém se vê e ninguém avisa!
Então, vejo aqui uma forma de conversar — ainda que levemente prolixa — mas objetivamente mais humana e desapegada dessa constante busca por produtividade, até mesmo para contar histórias.
A diversidade de assuntos que gostaria de abordar virá no ritmo da vida, conforme ela for vivida. Descobri no ano passado que tenho TDAH e altas habilidades, o que trouxe luz à minha constante curiosidade e criatividade. Sempre me entediei com algumas coisas, e por isso os algoritmos me pegaram de jeito. O TikTok, então, sabe fisgar!
Era um misto de experimentar coisas novas até certo ponto e, em seguida, pular para a próxima. Desde então, e em ordem cronológica, me tornei um artista em aquarela abstrata, fotografia digital e analógica, cultivo de plantas ornamentais e exóticas, gastronomia, panificação, escrita amadora em máquina de escrever, fermentação, cafés especiais e, recentemente, cerâmica.
Hoje, reflito que tudo isso (e mais um pouco que esqueci) serviu de válvula de escape para uma rotina de dez anos no mundo corporativo, de um engenheiro químico até cargos executivos em estratégia e gestão comercial. Ouvi da minha psicóloga que “meus pacientes com TDAH são os que mais demonstram essa pulsão de criar, de fazer algo novo”, e me senti compreendido.
A vontade vem quando a cabeça está cheia de ideias, e encontro nesses diversos hobbies a linguagem que preciso para traduzir essa pulsão. Seja um quadro, uma foto, um texto, uma peça ou uma semente — sinto a necessidade de dar forma ao pensamento.
Espero que possamos conversar sobre o futuro das espécies se houvesse um mundo colonizado por vida em outras condições evolutivas. Ou então sobre o paralelo entre a senciência da vida orgânica e da vida inorgânica e suas perspectivas futuras. E, por fim, sobre o quão caro é sair do mundo digital.
Esses hobbies surgiram como forma de desconectar um pouco, mas, nos últimos anos, estavam cada vez mais difíceis de serem executados. O tempo livre era pouco e precisava fornecer descanso. Assim, ligar uma série e/ou ficar se alimentando de dopamina barata no Instagram e no TikTok dava a fácil ilusão de descansar de forma eficiente.
Mas fugir dessa rotina não é fácil, pois, ao contrário de abrir um aplicativo, temos que adquirir materiais, investir tempo criando, comprar um ingresso e fazer outras aquisições que nos são dadas como pequenas recompensas por nos comportarmos bem no sistema capitalista — gerando lucros para empresas e obtendo nosso suado salário.
Sem contar que não basta só pintar, tem que ter o melhor material recomendado pelo influenciador de desenho. Você precisa ter a melhor câmera para fazer as fotos que ficam mais nítidas no feed. A farinha do seu pão precisa ser italiana, pois a brasileira tem menos proteína.
“Quantos likes vou receber?” O algoritmo nos puxa de volta.
Brincar sem se importar com o feed de likes, como fazíamos quando crianças, foi um prazer que, aos poucos, nos foi tirado sem nem nos darmos conta.
Aceitamos isso como um presente dentro do pacote de responsabilidades do adulto que vive num mundo pós-pandemia em 2025.
Considero um nano ato de rebelião sair das redes e me postar em frente ao teclado para digitar. Também acho que pode ser rebelde chegar até aqui, num texto que, para muitos, não seja um conteúdo que possa ser adicionado ao currículo ou que tenha alguma serventia prática.
Na história do Homo sapiens, contávamos histórias para nos conectar, entender e criar laços. A racionalidade é muito complexa para lidarmos com ela sozinhos. Compartilhar um pouco disso para construir algo novo está na essência humana, e quero trazer um pouco dessa essência para este espaço.
Vamos tomar um café? Eu passo rapidinho.